domingo, 29 de julho de 2012



A refundação do Mercosul

A entrada da Venezuela como membro pleno do Mercosul - a ser formalizada na próxima terça-feira em Brasília – permite que o Mercosul reformule não apenas sua composição, mas ganhe novo impulso e ocupe todos os espaços da integração regional. Esse novo formato rompe com círculos viciosos que estavam fazendo o Mercosul girar em falso, pelas disputas comerciais por mercado entre grandes corporações privadas brasileiras e argentina. Com os outros dois países – Uruguai e Paraguai – marginalizados.

Enquanto isso os processos de integração regional – Unasul, Banco do Sul, Conselho Sulamericano de Defesa, Comunidade de Estados Latinoamericanos e do Caribe – avançavam. No começo da crise economica internacional, foi a Unasul que promoveu as reuniões dos governos sulamericanos para formular estratégias comuns de resistência aos efeitos recessivos da crise.

A solicitação de ingresso da Venezuela tinha sido aprovado no Congresso da Argentina, do Uruguai e do Brasil, ficando, há anos, bloqueada no Senado do Paraguai. Quando esse mesmo Senado promoveu o golpe branco que derrubou Fernando Lugo, os outros tres países do Mercosul, além de condenar o golpe, decidiram pelo ingresso da Venezuela, depois da suspensão do Paraguai como membro pleno.

O ingresso da Venezuela permitirá uma espécie de refundação do Mercosul, não apenas rompendo com o círculo vicioso apontado, mas também estendendo as esferas de integração para outras áreas, entre elas, a educação, a pesquisa, tecnologia, a comunicação, a cultura, os esportes, entre outros. Assim como, no próprio plano econômico, aprofundar as formas de integração.

Enfim, o Mercosul passa a poder expressar a força que a região tem demonstrado, ressaltada ainda mais pelo contraste com os países do centro do capitalismo, que seguem em crise e em recessão. Os países do Mercosul estão entre os países latino-americanos que priorizam a integração regional, as políticas sociais e um Estado ativo nos planos econômico e social.

O Mercosul, incorporando a terceira economia da América do Sul, torna-se um pólo econômico dinâmico no Sul do mundo. Deve incorporar a Bolívia e o Equador – que já solicitaram seu ingresso – como membros plenos, avançando na integração econômica regional.

Daí a importância da reunião da próxima terça-feira, uma das mais importantes em toda a historia do Mercosul e certamente a mais importante há muito tempo.
Postado por Emir Sader às 16:10

sexta-feira, 27 de julho de 2012


Chávez viaja ao Brasil para consolidar entrada no Mercosul


AFP

Juan Barreto/AFP

Esta será a primeira viagem oficial de Chávez ao exterior neste ano

CARACAS - O presidente venezuelano, Hugo Chávez, voltará ao cenário internacional na próxima terça-feira (31) na cúpula do Mercosul em Brasília, ocasião em que poderá reafirmar sua recuperação do câncer e a almejada entrada da Venezuela no bloco, em plena campanha para reeleição.

Sua primeira viagem oficial ao exterior do ano coincide com os primeiros comícios para as eleições presidenciais de 7 de outubro, campanha na qual Chávez se empenha com animação, mudando a imagem de um presidente doente e debilitado dos últimos meses.

O mandatário se declarou neste mês "livre" do câncer após ter sido submetido a um longo tratamento de radioterapia em Cuba, que o impediu, por exemplo, de viajar a Cartagena, na Colômbia, em abril, para a Cúpula das Américas.

Com sua presença na reunião do Mercosul, Chávez volta ao cenário internacional para "dizer 'estou de volta, não há problema algum com a minha saúde' e eliminar qualquer rumor sobre sua doença", comentou o presidente da consultoria Datanálisis, Luis Vicente León.

A menos de três meses das eleições, "Chávez precisa enviar imagens concretas sobre sua recuperação para apagar qualquer dúvida sobre seu futuro" que possa deixar seus eleitores inseguros, acrescentou.

No poder desde 1999, o presidente ainda aproveita sua grande popularidade entre a população mais pobre e a maioria das pesquisas dá a ele uma vantagem confortável em relação a seu rival Henrique Capriles Radonski.

Seu estado de saúde, no entanto, é considerado um aspecto fundamental em sua campanha.

Um objetivo geoestratégico

A viagem de Chávez ao Brasil tem ainda outro propósito: "Este é o primeiro compromisso no exterior que o presidente honra em 2012, o que demonstra a importância que dá ao ingresso pleno da Venezuela no Mercosul", explica à AFP o analista político Farith Fraija.

A entrada do país no bloco foi aprovada em junho pelo Brasil, pela Argentina e pelo Uruguai, após a suspensão do quarto membro, Paraguai --cujo Senado vetava a inclusão da Venezuela desde 2006--, devido à destituição do presidente Fernando Lugo.

Chávez agora se aproxima de uma de suas mais antigas metas geoestratégicas ao se unir ao bloco que representa 75% do PIB de América do Sul, ao lado de Brasil e Argentina, atores poderosos.

O ingresso no Mercosul "abre um novo horizonte de possibilidades para o engrandecimento da pátria sul-americana", disse Chávez nesta semana.

Com esse discurso, o venezuelano se considera um mensageiro dos sonhos de uma união latino-americana de Simón Bolívar e já incentivou outros projetos de integração regional, como a Unasul e a Celac.

Fraija indica que, para o governante, seria um "primeiro passo importante para criar um bloco sul-americano que integre outros países associados, como o Chile e a Bolívia, e tornar tal união uma potência mundial".

Contudo, Edmundo González, membro da comissão internacional da coalizão opositora, também destaca que além da "vocação tradicionalmente venezuelana" de apostar em uma integração regional, a entrada é uma "jogada política calculada de Chávez para influir sobre seus membros e expandir seu projeto" esquerdista, hostil a Washington.

Livre comércio versus socialismo

Como irá agir, em um mercado de livre comércio, um país cujo governo se define como socialista e impõe em sua economia --basicamente importadora-- medidas de corte e um controle rígido do setor privado?

González, autor de um estudo sobre a entrada da Venezuela no Mercosul, alerta que, politicamente, o país irá enfrentar "contradições", especialmente com o Acordo de Associação que o bloco negocia com a União Europeia ou o Tratado de Livre Comércio com Israel, país com que Caracas não mantém relações.

No plano econômico, Chávez afirmou que, com a inclusão, "um conjunto de produtos que (estão) importando desses países serão barateados, em curto prazo. Ao mesmo tempo, (a entrada) vai acelerar a industrialização".

O mandatário anunciou, ainda, a criação de um fundo de 500 milhões de dólares para apoiar empresas venezuelanas com potencial exportador, em um país com uma fraca capacidade produtiva, devido aos recursos que o petróleo dá para a importação, que fica ainda mais enfraquecida pela nacionalização e expropriação por parte do governo.

"A Venezuela não vai passar por transformações significativas. Se houvesse um setor industrial privado, sem dúvida teria problemas. Além disso, ninguém vai exportar a 4,30 bolívares" o dólar, destaca León, referindo-se ao controle cambiário na Venezuela, que corrige o bolívar em um valor bem abaixo do que é comercializado no amplo mercado negro.

domingo, 22 de julho de 2012


O golpe em Assunção e a tríplice fronteira

Publicado por: admin

Por Mauro Santayana – A moderação dos Estados Unidos, que dizem estranhar a rapidez do processo de impeachment do Presidente Lugo, não deve alimentar o otimismo continental. Em plena campanha eleitoral, a equipe de Obama (mesmo a Sra. Clinton) caminha com cautela, e não lhe convém tomar atitudes drásticas nestas semanas. Esta razão os leva a deixar o assunto, neste momento, nas mãos da OEA. Na verdade, se as autoridades de Washington não ordenaram a operação relâmpago contra Lugo, não há dúvida de que o parlamento paraguaio vem sendo, e há muito, movido pelo controle remoto do Norte. E é quase certo que, ao agir como agiram, os inimigos de Lugo contavam com o aval norte-americano. E ainda contam. Conforme o Wikileaks revelou, a embaixada norte-americana informava a Washington, em março de 2009, que a direita preparava um “golpe democrático” contra Lugo, mediante o parlamento. Infelizmente não sabemos o que a embaixada dos Estados Unidos em Assunção comunicou ao seu governo depois e durante toda a maturação do golpe: Assange e Manning estão fora de ação.
Não é segredo que os falcões ianques sonham com o controle da Tríplice Fronteira. Não há, no sul do Hemisfério, ponto mais estratégico do que o que une o Brasil ao Paraguai e à Argentina. É o ponto central da região mais populosa e mais industrializada da América do Sul, a pouco mais de duas horas de vôo de Buenos Aires, de São Paulo e de Brasília. Isso sem falar nas cataratas do Iguaçu, no Aqüífero Guarani e na Usina de Itaipu. Por isso mesmo, qualquer coisa que ocorra em Assunção e em Buenos Aires nos interessa, e de muito perto.
Não procede a afirmação de Julio Sanguinetti, o ex-presidente uruguaio, de que estamos intervindo em assuntos internos do Paraguai. É provável que o ex-presidente – que teve um desempenho neoliberal durante seu mandato – esteja, além de ao Brasil e à Argentina, dirigindo suas críticas também a José Mujica, lutador contra a ditadura militar, que o manteve durante 14 anos prisioneiro, e que vem exercendo um governo exemplar de esquerda no Uruguai.
Não houve intervenção nos assuntos internos do Paraguai, mas a reação normal de dois organismos internacionais que se regem por tratados de defesa do estado de direito no continente, o Mercosul e a Unasul – isso sem se falar na OEA, cujo presidente condenou, ad referendum da assembléia, o golpe parlamentar de Assunção. É da norma das relações internacionais a manifestação de desagrado contra decisões de outros países, mediante medidas diplomáticas. Essas medidas podem evoluir, conforme a situação, até a ruptura de relações, sem que haja intervenção nos assuntos internos, nem violação aos princípios da autodeterminação dos povos.
A prudência – mesmo quando os atos internos não ameacem os países vizinhos – manda não reconhecer, de afogadilho, um governo que surge ex-abrupto, em manobra parlamentar de poucas horas. E se trata de sadia providência expressar, de imediato, o desconforto pelo processo de deposição, sem que tenha havido investigação minuciosa dos fatos alegados, e amplo direito de defesa do presidente.
Registre-se o açodamento nada cristão do núncio apostólico em hipotecar solidariedade ao sucessor de Lugo, a ponto de celebrar missa de regozijo no dia de sua posse. O Vaticano, ao ser o primeiro a reconhecer o novo governo, não agiu como Estado, mas, sim, como sede de uma seita religiosa como outra qualquer.
O bispo é um pecador, é verdade, mas menos pecador do que muitos outros prelados da Igreja. Ele, ao gerar filhos, agiu como um homem comum. Outros foram muito mais adiante nos pecados da carne – sem falar em outros deslizes, da mesma gravidade – e têm sido “compreendidos” e protegidos pela alta hierarquia da Igreja. O maior pecado de Lugo é o de defender os pobres, de retornar aos postulados da Teologia da Libertação.
Lugo parece decidido a recuperar o seu mandato – que duraria, constitucionalmente, até agosto do próximo ano. Não parece que isso seja fácil, embora não seja improvável. Na realidade, Lugo não conta com a maior parcela da classe média uruguaia, e possivelmente enfrente a hostilidade das forças militares. Os chamados poderes de fato – a começar pela Igreja Católica, que tem um estatuto de privilégios no Paraguai – não assimilaram o bispo e as suas idéias. Em política, no entanto, não convém subestimar os imprevistos.
Os fazendeiros brasileiros que se aproveitaram dos preços relativamente baixos das terras paraguaias e lá se fixaram, não podem colocar os seus interesses econômicos acima dos interesses permanentes da nação. É natural que aspirem a boas relações entre os dois países e que, até mesmo, peçam a Dilma que reconheça o governo. Mas o governo brasileiro não parece disposto a curvar-se diante dessa demanda corporativa dos “brasiguaios”.
No Paraguai se repete uma endemia política continental, sob o regime presidencialista. O povo vota em quem se dispõe a lutar contra as desigualdades e em assegurar a todos a educação, a saúde e a segurança, mediante a força do Estado. Os parlamentos são eleitos por feudos eleitorais dominados por oligarcas, que pretendem, isso sim, manter seus privilégios de fortuna, de classe, de relações familiares. Nós sofremos isso com a rebelião parlamentar, empresarial e militar (com apoio estrangeiro) contra Getúlio, em 1954, que o levou ao suicídio; contra Juscelino, mesmo antes de sua posse, e, em duas ocasiões, durante seu mandato. Todas foram debeladas. A conspiração se repetiu com Jânio, e com Jango – deposto pela aliança golpista civil e militar, patrocinada por Washington, em 1964.
A decisão dos paises do Mercosul de suspender o Paraguai de sua filiação ao Mercosul, e a da Unasul de só reconhecer o governo paraguaio que nasça das novas eleições marcadas para abril, não ferem a soberania do Paraguai, mas expressam um direito de evitar que as duas alianças continentais sejam cúmplices de um golpe contra o estado democrático de direito no país vizinho.

domingo, 15 de julho de 2012


Golpe no Paraguai: para entender melhor em que situação estamos no Brasil e na América Latina

14/7/2012 11:12, Por Gilberto de Souza - do Rio de Janeiro

As vítimas do capitalismo são aqueles que tentam dividir a riqueza de uma nação por um número maior de pessoas

Os EUA, como o próprio nome indica, são um conjunto de Estados, unificados pela defesa da livre iniciativa no campo social, do capitalismo em seu modelo econômico e por uma espécie de democracia suficiente para manter o aparato estatal mínimo, mas capaz de permitir aos empresários a manutenção dos lucros crescentes e ascendentes, segundo a cartilha do velho Adam Smith. Cada empresa usa da mesma receita, pregada no ideário de liberdade sim, mas para lucrar cada vez mais e, sempre que o lucro estiver ameaçado, fazer uso da força militar financiada com os impostos arrecadados, em qualquer lugar do mundo onde haja uma reação ao american way of life. Este se baseia no consumo exacerbado pelas classes sociais mais baixas como forma de sustentar o preço das ações na Wall Street, e na propaganda, como o estilo de vida que o mundo deve almejar. Imaginam os norte-americanos que isso é ser civilizado, moderno e ‘adequado’ aos padrões que os grandes conglomerados econômicos fixaram em defesa de seus próprios interesses.
Na Constituição norte-americana – um tipo de contrato de longo prazo que garante os investimentos privados – a liberdade, a democracia e os direitos humanos servem como pano de fundo para o discurso que valida a intervenção externa em qualquer outra nação onde, segundo seus executivos, tais valores encontrem-se ameaçados. Esta ameaça é identificada sempre que os ganhos empresariais são confrontados com os interesses de cada sociedade. Se o Iraque pensa em suspender a venda de petróleo aos EUA, invadem-no. Se Cuba oferece uma nova visão social, baseada no conhecimento ao invés do consumismo, impõem um bloqueio de mais de meio século. Se, na América Latina, os partidos de esquerda crescem e formam governos, tratam de derrubá-los. Financiam violentos golpes de Estado, como ocorreu no Brasil, no Chile e na Argentina, ou forjam uma tomada do poder com base no Parlamento corrupto, a exemplo de Honduras e, agora, do Paraguai. A questão de fundo, no entanto, é sempre a mesma. Qualquer ameaça às empresas norte-americanas será sempre respondida com força suficiente para dizimá-la.
Há, porém, uma onda mundial – que navega pela internet, ocupa ruas e praças – e é capaz de denunciar os Estados Unidos como algozes da democracia, detratores dos direitos humanos e uma força mercenária, sustentada pela minoria que se apropriou da riqueza mundial. Trata-se de um movimento que ainda engatinha na ampla gama de países classificada, até pouco tempo atrás, como a horda do Terceiro Mundo. Mas hoje, frente à crise instaurada no âmago do próprio sistema capitalista, levanta-se de forma a impedir, por exemplo, uma invasão à Síria. Ou o ataque às instalações nucleares do Irã. Ou, ainda, a manutenção de um embargo ao governo cubano, cada vez mais pífio diante da interação destes países que se afastam da linha ditada por Washington. Longe, porém, de estarem derrotados, os EUA e os países-membros da Organização do Tratado Atlântico Norte (Otan), mais os satélites que os orbitam, agem com desenvoltura nas mais variadas frentes, a ponto abusar da sorte, como no golpe paraguaio.
Acontece que, em um jogo pesado como este, durante o qual ocorrem assassinatos seletivos ou em massa, venda de armas, compra de parlamentares, aliciamento de intelectuais e tantos outros expedientes sujos, o Brasil, a Rússia, a China, a Índia e a África do Sul (ou Brics, como é conhecido esse grupo) ainda tratam de questões idênticas de forma heterogênea, sem a coesão que os Estados defensores do capitalismo detêm, desde o ápice do Império Britânico. Armados até os dentes, com um poderio bélico capaz de destruir toda a vida no planeta seguidas vezes, como se fosse necessário mais do que uma só, estes atores trabalham no contra-ataque. Esperam para ver até onde chega o avanço da reação aos interesses do capital internacional e, em seguida, lançam mão do expediente mais adequado à defesa do sistema. Na América Latina, foi assim contra Allende, Jango, Zelaya e, agora, Lugo. A simples ideia de cucarachos se insurgirem contra os poderosos norte-americanos é capaz de causar insônia na base empresarial do Primeiro Mundo.
Se for para o caldo entornar de vez, basta um governo desses anunciar a estatização dos bancos, a revisão da dívida externa, a suspensão das remessas de lucros, a reforma agrária, a substituição da propriedade privada em nome do interesse coletivo ou a nacionalização da indústria. Em questão de horas, a IV Frota estará a postos nas costas do que a mídia colonizada passará, rapidamente, a chamar de nação terrorista, ameaça vermelha ou coisa que o valha. Em minutos, a Igreja Católica, as sinagogas e os protestantes convocarão seus crentes a uma guerra santa contra os comunistas. As facções armadas, dentro das Forças Armadas, receberão um soldo extra, trasladado pelas agências de inteligência dos países ricos, para matar e esfolar à vontade. As carolas voltarão a bater panelas na Avenida Rio Branco e pronto. Estará montado o circo, no qual os palhaços serão aqueles que protestavam por 10% do PIB para a Educação, pela terra para quem nela trabalha, por uma América Latina para os latino-americanos. Cerram as portas e tacam fogo.
Uns, como o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ou sua sucessora, Dilma Rousseff, no Brasil, vão tentando mudar as coisas meio que na flauta, sem levantar muita poeira. Deixam que os bancos lucrem o quanto quiser. Permitem que as elites econômicas da Avenida Paulista e do agronegócio ajam com desenvoltura, apoiadas nos meios de comunicação patrocinados por rios de dinheiro público e algum da banca, em mega agências de publicidade. Mantêm todo mundo bebendo refrigerante sabor cola e garantem a segurança do patrimônio internacional. Fazem uns acordos esdrúxulos com a direita, aparecem mal na foto, mas vão em frente. ‘No sapatinho’, como diria o sambista.
Outros, porém, seguem no atalho para uma sociedade mais justa e igualitária. Hugo Chávez, na Venezuela, Cristina Kirschner, na Argentina, Evo Morales, na Bolívia e Rafael Correa, no Equador, começaram a agir de forma objetiva, sem floreios porque o tempo é curto. O golpe no Paraguai, no entanto, já faz parte da contra-ofensiva capitalista. Não tendem, os EUA e seus sócios, deixar barato uma revolução como essa na América Latina, no que consideram o galinheiro deles ou, na melhor das hipóteses, o celeiro de alimentos, água e biodiversidade, no entendimento mais amplo da Doutrina Monroe.
Preparemo-nos, pois, para as surpresas guardadas no saco de maldades do Tio Sam.
Elas vêm. Inexoravelmente, vêm.
Gilberto de Souza é jornalista, editor-chefe do Correio do Brasil.

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sexta-feira, 6 de julho de 2012

Amigos de golpe paraguaio não desistem, por Paulo Moreira Leite


Paulo Moreira Leite, ÉPOCA

É tão difícil defender o golpe de Assunção que seus aliados procuram dizer que o ingresso da Venezuela no Mercosul representa a mesma coisa.
É duro de acreditar.
Ocorreu em Assunção um clássico golpe parlamentar, estratégia que sempre fez parte dos movimentos contra a democracia no Continente mas nem sempre foi fácil de realizar.
Em 1973, a CIA despejou milhões de dólares no Chile – a confissão é de William Colby, diretor da agência na época – para ajudar a oposição parlamentar a derrubar Salvador Allende. Num país onde a constituição exigia uma votação de dois terços para o impeachment, a ideia era reunir votos para destituir o presidente depois das eleições ocorridas no fim de 1972. Mas Allende cresceu e a oposição mudou de estratégia. Foi bater à porta dos quartéis.
Em 1962, quando a Casa Branca decidiu apoiar o golpe que derrubou João Goulart, a primeira iniciativa foi assinar um cheque de 5 milhões de dólares para os parlamentares e senadores de oposição. Era tanto dinheiro que se transformou num escândalo, que terminou em CPI, sobre a direção do deputado Rubens Paiva.
Em 64, quando os tanques derrubaram Goulart, um Congresso amolecido e comprado declarou que a “presidência estava vaga” e assim deu posse a Ranieri Mazzili, laranja que antecedeu a posse de Castelo Branco.
A entrada da Venezuela tem, obviamente, outra origem. Não envolve a soberania de um país. O Mercosul é um acordo comercial.
A Venezuela vinha negociando legitimamente seu ingresso no Mercosul. Todos os países haviam cumprido o ritual para permitir sua entrada. Isso aconteceu porque há um interesse comum entre as partes.
Com uma economia de US$ 350 bilhões, ou dez vezes o Paraguai, a Venezuela é um parceiro que interessa aos vizinhos – e vice-versa. O petróleo venezuelano é e será cada vez mais essencial para o desenvolvimento da região.
O mercado interno daquele país é um destino privilegiado para as exportações brasileiras, que ali garantem um importante superávit comercial.
Se você pensa que alianças regionais são estratégia adequada para enfrentar o mundo globalizado, deve concluir que o único problema do ingresso da Venezuela no Mercosul é que ele deveria ter acontecido muito antes.
Quem era contra o ingresso da Venezuela?
Leia a íntegra em Amigos de golpe paraguaio não desistem

segunda-feira, 2 de julho de 2012

Paraguay: Golpe legal, por Ricardo Noblat

Foi golpe ou não foi a destituição de Fernando Lugo da presidência do Paraguai?

A Suprema Corte de lá disse que não foi. Que o Congresso respeitou o rito estabelecido para se depor um presidente. (Rito sumário, pelo visto).

Mais: que o próprio Lugo concordou com o rito, o que é verdade. E, por fim, que ele foi sucedido pelo vice-presidente como manda a lei.






Então por que uma fatia de países latino-americanos e de entidades internacionais insiste em considerar suspeito o que aconteceu no Paraguai?

Ora, porque foi suspeito. Para lá de suspeito. Falsamente legal.

Os paraguaios assistiram bestificados a substituição de Lugo.

Em 2009, Honduras inventou o “golpe legal” com a queda do presidente Manuel Zelaya, um conservador seduzido por Hugo Chávez, presidente da Venezuela.

A Justiça de Honduras avalizou o golpe engendrado pelo Congresso. Respeitou-se a Constituição, proclamou a Justiça.

Lorota!

O que tornou acintosamente ilegal o golpe em Honduras foi a prisão de Zelaya pelo Exército e a sua expulsão do país. Tal violência não estava prevista na Constituição.

Os políticos paraguaios foram menos rudes do que seus colegas hondurenhos. Lugo continua vivendo em Assunção e falando o que quer. Ou o que a sua tibieza permite que fale.

O que tornou descaradamente ilegal o golpe no Paraguai foi que o impedimento de Lugo se deu mediante o escandaloso cerceamento do seu direito de defesa.

Quem diz que o golpe não foi golpe menciona o artigo 225 da Constituição do Paraguai. Está dito ali que o Congresso pode despachar o presidente emitindo um “juízo político”.

Mas o artigo 17, que trata dos Direitos Processuais, determina no item 7: o acusado deve dispor “dos meios e prazos indispensáveis para a preparação de sua defesa de forma livre”.

Anotaram aí? O acusado deve dispor “dos meios e prazos indispensáveis para a preparação de sua defesa de forma livre”.

Um editorial da Folha de São Paulo concluiu na semana passada: “Apesar de cercear direito de defesa, impeachment de Lugo foi constitucional”.

Parece piada da Folha ou não parece? Deve ser piada.

Como pode estar de acordo com a Constituição um processo de impeachment que cerceia o direito de defesa?

Basta que um simples cidadão tenha seu direito de defesa limitado para que a eventual punição imposta a ele seja declarada nula. O direito de defesa só não existe nos países que desprezam a democracia. Ou onde ela funciona mal.

O processo que resultou na derrubada de Lugo durou menos de dois dias. Para ser exato: cerca de 36 horas.

Câmara dos Deputados e Senado votaram às pressas. E Lugo teve apenas duas horas e meia, não mais do que isso, para se defender.

Um processo aberto e fechado em 36 horas, meus caros! E duas horas e meia para Lugo provar sua inocência!

Fale sério: você diria que Lugo dispôs “dos meios e prazos indispensáveis para a preparação de sua defesa de forma livre”?

Os acusadores dele levaram meses aparando suas diferenças, negociando o futuro compartilhamento do poder e amadurecendo o que diriam para justificar a queda de um presidente legitimamente eleito.

Meses, não, anos.

Há mais de dois o governo dos Estados Unidos foi avisado por sua embaixada de que estava em curso uma manobra para depor Lugo.

As acusações produzidas contra Lugo foram pífias, inconsistentes e cavilosas. Talvez a maioria delas não resistisse a uma investigação independente.

Mas como sugerir uma investigação independente de um dia para o outro e apenas com duas horas e meia de explanação para uma plateia decidida a condenar o réu?

Lugo foi acusado de autorizar em 2009 uma concentração política de jovens na sede do Comando de Engenharia das Forças Armadas. O Estado pagou as despesas.

Também foi acusado de instigar e facilitar recentes invasões de terras na região de Ñacunday. Além disso, segundo seus desafetos, foi responsável pelo choque entre sem-terras e policiais que resultou na morte de 17 deles em Curuguaty.

Última acusação que fez parte do pedido de impeachment de Lugo: ele teria sido “absolutamente incapaz de desenvolver política e programas destinados a diminuir a crescente insegurança cidadã”.

Quanto às provas que sustentaram as acusações...

Que provas? Para quê provas?

Está dito no memorial que propôs a saída de Lugo da presidência: “Todas as causas mencionadas mais acima são de notoriedade pública, motivo pelo qual não necessitam ser provadas, conforme nosso ordenamento jurídico vigente”.

Notório é que a terra é redonda. Mas quanto tempo se levou para que essa verdade fosse aceita? No ano passado, um satélite europeu conferiu que a Terra não é inteiramente redonda. É meio achatada nos polos.

Lugo foi um presidente fraco, medíocre, desarticulado?

Foi. Uma das evidências: o placar do impeachment. Na Câmara dos Deputados: 73 votos contra 1. No Senado: 39 a 4. O próprio partido de Lugo votou contra ele!

Lugo cometeu erros? Cometeu sim, senhor. Assim como todos os presidentes cometem. Eles não são infalíveis – à parte Lula, é claro.

Os erros cometidos por Lugo não empurraram o Paraguai para a beira do abismo. Não ameaçaram o regime que ali funciona. Nem provocaram convulsão social.

Daqui a 10 meses haverá eleições no Paraguai. A reeleição para presidente é proibida.

Lugo acabou apeado do poder não como o presidente incompetente que pode ter sido. Saiu como vítima de uma contradição em termos chamada “golpe legal”.