Na porção Brasil de Assunção, os paraguaios nos são fiéis, como são à sua própria pátria
9/04/2008 - 19h11
Carolina Juliano
Enviada especial do UOL
Em Assunção
Onde a avenida Cerro Cora, uma das principais do centro da capital paraguaia Assunção, encontra a rua Brasil, tem um posto da Petrobras. Os frentistas, todo paraguaios, dizem que estão ali a serviço do Paraguai, mas para vender o combustível brasileiro. "Se assim é, assim deve ser", diz o invocado gerente que nem seu nome quis fornecer.
Se a História dá motivos de sobra para que os paraguaios temam o Brasil imperialista, pelo menos ali, uma faixa mal asfaltada de pouco mais de um quilômetro de extensão, onde Assunção é Brasil, o pacato povo paraguaio ou é indiferente à situação - como o gerente invocado - ou (a maioria) tem admiração e até gratidão pelo vizinho gigante.
POLUIÇÃO É PROBLEMA
Carolina Juliano/UOL
Ônibus velho trafega pela rua esburacada chamada Brasil
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Cidade paraguaia sofre com o trânsito e com a poluição visual
MERCOSUL MAIS JUSTO
A RELAÇÃO COM O BRASIL
QUAL É O SEU CANDIDATO?
IMAGENS DE CIUDAD DEL ESTE
Conforme listou, em entrevista concedida ao UOL na sexta-feira (18), o comunicólogo Juan Diáz Bordenave, são pelo menos três os motivos que o Paraguai tem para ver o Brasil como um opressor. Primeiro foram os bandeirantes que invadiam o Paraguai para roubar índios e escravizá-los; depois o Brasil interferiu na época da independência do país e ajudou a derrubar Rodriguez de Francia, "em uma das épocas mais prósperas do nosso país", nas palavras de Bordenave. E por último foi a Guerra da Tríplice Aliança (ou Guerra do Paraguai), desencadeada quando Dom Pedro II resolveu intervir na política interna uruguaia para que sua instabilidade não prejudicasse o Rio Grande do Sul e o Paraguai interveio militarmente, sob o comando de Solano López. Brasil, Argentina e Uruguai se uniram e derrotaram o Paraguai após 5 anos de lutas.
O Brasil esburacado e poluído
A porção Brasil de Assunção é caótica. Uma rua movimentada e esburacada, com trânsito carregado de ônibus, calçadas sem pavimentação e poluição visual. Na altura do número 200, em um pequeno comércio que vende de sabão em pó a empanadas, está uma envergonhada Guillermina Aualos Zaracho. A paraguaia de 30 anos é a terceira de oito filhos que vivem todos em Assunção. Há cinco anos, ela se mudou para a Argentina em busca de melhores condições de trabalho. "Mas não é bom lá, não. Eu nem ganhava bem e estava longe da família."
Guillermina só insistiu um ano. Voltou para o Paraguai e hoje é dona daquele pequeno estabelecimento. Você acha que o Brasil é assim como essa rua que leva o seu nome? Pergunto eu. "Não! O que é isso... O Brasil é grande e bonito", diz a paraguaia. "O seu país é muito bom e ajuda muito o Paraguai." Ela diz ainda que, dos vizinhos, ela não gosta dos argentinos "porque nos tratam mal". "Mas os brasileiros são amáveis e gostam dos paraguaios."
Entre mamões e pinhas
Na quadra seguinte à venda de Guillermina, o Brasil aparece de outra forma. Um anúncio da cerveja Brahma e um CD da cantora Joana em uma vitrine suja. Logo em frente onde todos os dias, há 37 anos, Maria de Salinas, de "quase 61 completos", instala seus caixotes com frutas frescas. Empilha também um jarro térmico cheio de suco de laranja e uma caixa, com salada de fruta. Vende o copo a 2.000 guaranis (R$ 0,70).
O PARAGUAI BRASILEIRO
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"O Brasil é grande e bonito", diz a comerciante Guillermina Zaracho
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Maria de Salinas criou os filhos vendendo copos de suco de laranja
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Jamón Hernandez vende produtos brasileiros. "É? eu não sabia", diz
PONTE DA AMIZADE UNE PAÍSES
BRASIL TERÁ DIFICULDADES
'BRASIGUAIOS' REGULARIZADOS
UM ILUSTRE PARAGUAIO
Maria acorda às 4h todos os dias, viaja uma hora de ônibus até chegar ao Brasil paraguaio. "Com isso aqui criei seis filhos", conta. "Há dias melhores e outros piores, mas tenho que está sempre aqui. Não há trabalho, não há dinheiro, eu vou me virando. Só que com o passar do tempo, as dores nas costas vão piorando." Está na hora de a senhora se aposentar, dona Maria. "O que é aposentar, minha filha?", estranha ela. Quando explico os direitos que alguns governos dão aos trabalhadores depois de 60 ou 65 anos de idade, para que recebam dinheiro e não mais trabalhem, aquela senhora suspira fundo e limita-se a comentar "tem isso? seria bom".
O sentimento que Maria de Salinas tem pelo Brasil é de gratidão. "Eles nos enviam muitas coisas, o Brasil é bom. Ele é muito grande e ajuda o Paraguai. Essas frutas mesmo, vêm do Brasil. O mamão, a pinha...". Ela acha que se o Brasil não faz mais pelo Paraguai é porque não tem o que fazer e faz questão de dizer que os brasileiros são "queridos e simpáticos". "Mas os argentinos não. Daqueles eu não gosto."
O Brasil que ajuda
Já quase no fim da rua Brasil, onde o comércio começa a ficar escasso, logo após a "Livraria Brasil", Jamón Hernandez, 62, monta há 45 anos a sua barraquinha, onde vende cigarros, algumas revistas e variados tipos de balas e chicletes. Ao comprar uma pastilha de hortelã da marca Garoto, comento com ele que aquilo era um produto brasileiro. "Ah, sim? Não sabia. Mas é normal, o Brasil nos envia muitas coisas."
Quando percebe que sou brasileira, Hernandez desata a falar bem do vizinho "ilustre". "Brasil é o orgulho da América Latina. Não sei que paraguaio disse à senhorita que não gosta do Brasil. Não é possível não gostar de um país grande e bonito e que nos ajuda sempre." E depois anuncia a quem passa pela rua que ele está ali a conversar com uma jornalista do Brasil.
Se esses paraguaios que tanto admiram o Brasil conhecem a História, não vem ao caso. Fato é que como bom cidadãos patriotas, estes 'habitantes' da porção brasileira de Assunção se mostram fiéis ao país que dá nome à sua rua, como à sua própria pátria. Todos eles declaram que votarão em Fernando Lugo na eleição deste domingo e entoam as palavras "mudança" e "esperança" como um verdadeiro mantra.
UOL
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