Lula entrou na arapuca (Carlos Chagas - Tribuna da Imprensa)
BRASÍLIA - O presidente Lula viajou ontem à tarde para Assunção a fim de assistir, hoje, à posse de Fernando Lugo na presidência do Paraguai. Estarão presentes todos os presidentes de países da América do Sul, fora algum retardatário.
O ex-bispo assume o governo de seu país em estado de graça. Até o papa Bento XVI admitiu, numa dessas filigranas da doutrina católica, dispensá-lo das ordens sacerdotais. O Paraguai vai dispor de uma primeira-dama, já que mesmo para casar o novo presidente paraguaio está autorizado. Em se tratando de um férreo defensor da Teologia da Libertação, ele conta com a boa vontade do Vaticano e do mundo em geral.
Os Estados Unidos se farão representar por um enviado especial, certamente pleno de sorrisos e de promessas. Acontece que o primeiro entrevero desse moderno Paraguai tem data marcada. Até o final do mês Fernando Lugo terá aberto formalmente conversações com o governo brasileiro para rever o tratado de Itaipu. Pretende receber mais pelos quilowats que o Brasil produz e entrega a seu país, para recebê-los de volta pelo preço acertado ainda nos tempos do governo Geisel. Reivindica, também, o direito de revender a energia a que tem direito para outros países, como o Chile, a Argentina e o Uruguai.
Eis a receita de uma arapuca em que nos metemos sem querer, e da qual será difícil sair sem arranhões. Porque de um lado Hugo Chávez e sua turma estimulam Lugo a insurgir-se contra o "imperialismo" brasileiro. Os presidentes da Venezuela, Bolívia, Equador e outros ditos esquerdistas de verdade dão respaldo à pretensão paraguaia. De outro lado, Chile, Argentina e Uruguai também se mostram simpáticos à revisão do tratado de Itaipu, pois serão diretamente beneficiados. Falta-lhes energia para enfrentar o futuro e nada melhor do que comprá-la numa fonte até agora interditada.
Se dependesse do ministro Edison Lobão, das Minas e Energia, além do ministro das Relações Exteriores, da chefe da Casa Civil, do presidente da Eletrobrás e do presidente da Itaipu, nossa resposta seria negativa. Nem admitiríamos conversa. Afinal, há um contrato assinado, valendo referir que o Paraguai não gastou um centavo, sequer, na construção da maior usina hidrelétrica do Ocidente. Fizemos tudo, dando parceria ao vizinho por questões geográficas.
O problema é que em situação parecida o presidente Lula cedeu. Foi há um ano e pouco, quando Evo Morales ocupou e nacionalizou refinarias de petróleo construídas na Bolívia pela Petrobras, usando tropa do Exército, exigindo também que pagássemos mais caro pelo gás que importamos. Afinal, estávamos ajudando um país em dificuldades, o mais pobre do continente. O diabo é que o Paraguai não fica atrás, em termos de miséria.
Será preciso, de início, que o governo brasileiro se entenda. Tome uma decisão uniforme antes de sentar-se à mesa das negociações. Afinal, como na criação irreverente dos saudosos Mamonas Assassinas, até agora nessa festa só estamos... (bem, deixa para lá).
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